- Bem previ - disse Martin a Cândido - que os vossos presentes seriam dissipados num instante e os tornariam ainda mais miseráveis. Vós próprio e Cacambo dissipastes milhões de piastras, e nem por isso sois mais felizes que o Irmão Giroflée e Paquette.
- Ah! Ah! - disse Pangloss a Paquette. - O Céu reconduz-vos para aqui, para o meio de nós, minha pobre filha! Sabeis que por vossa causa perdi a ponta do nariz, um olho e uma orelha? Em que estado vos encontrais! O que é o mundo!
Esta nova aventura levou-os a filosofar mais do que nunca. Havia na vizinhança um derviche muito famoso que passava por ser o melhor filósofo da Turquia. Foram consultá-lo. Pangloss tomou a palavra e disse-lhe:
- Mestre, vim pedir-vos que nos digais porque foi criado um animal tão estranho como o homem.
- Porque te importas com isso - respondeu-lhe o derviche -, se é coisa que não te diz respeito?
- Mas, reverendo padre - insistiu Cândido -, é horrível o mal que há no mundo.
- Que importa que haja mal ou bem? - disse o derviche. - Quando Sua Alteza manda um navio ao Egipto, trata, porventura, de saber se os ratos que vão a bordo estão à sua vontade ou não?
- Que devemos então fazer? - disse Pangloss.
- Calares-te - opinou o derviche.
- Seria para mim muito mais lisonjeiro - disse Pangloss - discorrer um pouco convosco sobre causas e efeitos, o melhor dos mundos possíveis, a origem do mal, a natureza da alma e a harmonia preestabelecida.
O derviche, a estas palavras, fechou-lhes a porta na cara. Enquanto decorria esta conversa espalhara-se a notícia de que acabavam de estrangular em Constantinopla dois vizires e o mufti e que haviam sido empalados muitos dos seus amigos.