— Afasta-te, mulher, que o teu amor me perdeu! — murmurou enfim. — Há entre nós um abismo: tu o abriste; eu precipitei-me nele. Um crime, só um crime, pode unir-nos…— Fez uma pausa e prosseguiu: — E porque não se cometerá ele? Talvez obtivéssemos perdão!... Perdão! Oh meu Deus, não o terias para o sacrílego... não! Afasta-te, Hermengarda. Diante de ti tens um desgraçado, um desgraçado que fizeste!
A donzela uniu as mãos lavada em lágrimas, e exclamou:
— Eurico! Eurico! enlouqueceste?... Por piedade, explica-me este horroroso mistério! Porque me repeles? que te fiz eu... eu que te amo, que sou tua, tua para sempre?!
Mas os olhos cintilantes do cavaleiro tinham amortecido: derribado na luta que travara com o destino, o seu combater de tantos anos terminava, finalmente. Um sorriso insensato substituiu-lhe no rosto as contracções habituais de melancolia. Afigurava-se-lhe que em roda dele balouçava a caverna, e a luz fumosa da tocha que ardia segura no braço de ferro cravado na pedra parecia-lhe faiscar em fitas cor de sangue. Esvaído, vacilante, assentou-se num fragmento da rocha e, estendendo a mão para Hermengarda, pegou de novo na dela e, com um sorriso indizível, continuou em voz submissa:
— Dez anos!... Sabes tu, Hermengarda, o que é passar dez anos amarrado ao próprio cadáver? Sabes tu o que são mil e mil noites consumidas a espreitar em horizonte ilimitado a estrela polar da esperança e, quando, no fim, os olhos cansados e gastos se vão cerrar na morte, ver essa estrela reluzir um instante e, depois, desfechar do céu nas profundezas do nada? Sabes o que é caminhar sobre silvados pelo caminho da vida e achar ao cabo, em vez do marco miliário onde o peregrino dê tréguas aos pés rasgados e sanguentos, a borda de um despenhadeiro, no qual é força precipitar- -se? Sabes o que isto é? É a minha triste história! Estrela momentânea que me iluminaste, caíste no abismo! Arbusto que me retiveste um instante, a minha mão desfalecida abandonou-te, e eu despenhei-me! Oh, quanto o meu fado foi negro!