Eurico, o Presbítero - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 89 / 186

Entre as monjas e os árabes bem curta distância medeia: e todavia, lá no mais pequeno recinto, onde soam os gemidos de dores atrozes, onde só ri uma esperança, a da morte, há paz íntima, há o céu; aqui, na vasta cripta, onde a ebriedade de fácil triunfo, a riqueza dos despojos, o futuro de uma larga existência de glória e deleites sorriem na mente dos infiéis, está o furor insensato, está o inferno. O Evangelho e o Corão estão frente a frente no resultado das suas doutrinas. É sublime a vitória do livro do Nazareno!

Os golpes de machado redobram: os troncos afeiçoados do roble começam a estourar nas suas junturas. A última freira fora já curvar- se junto dos degraus do altar; a donzela vestida de branco vai ajoelhar aos pés de Cremilde, exclamando:

— Para mim também o martírio! Salvai-me do opróbrio!

— A tua constância, filha, na dura prova de agonia por que tens passado te purificou. Sê uma das monjas da Virgem Dolorosa e vai com tuas irmãs receber a coroa de mártir.

O ferro, porém, que descia sobre o colo da donzela foi cair com a mão de Cremilde aos pés da cruz gigante do altar. Um revés do alfange de Abdulaziz lha cerceara: as sólidas grades estavam despedaçadas.

A abadessa vacilou e, ao cair, só pôde murmurar:

— Jesus, recebe a minha alma!

Foram as suas palavras extremas: um segundo golpe lhe atalhou na garganta o derradeiro suspiro.

As freiras ergueram-se e encaminharam-se para o lugar em que jazia o cadáver destroncado da abadessa. Ajoelharam junto dela com a face voltada para a turba dos infiéis. Os seus rostos inchados, e manando sangue, eram disformes e horríveis.

— Ao menos, tu serás minha! — exclamou o amir, lançando a mão ao braço da donzela vestida de branco, a quem o terror desta cena rapidíssima tornara imóvel, como uma dessas estátuas que parecem orar sobre os sepulcros nas catedrais da Idade Média. — Filhos valentes do Sudão, conduzi-a à minha tenda. As outras, que as asas do anjo Asrael se estendam sobre os seus cadáveres. Daí a poucas horas a cripta estava em silêncio. As monjas da Virgem Dolorosa jaziam desoladas em volta da venerável Cremilde, e as suas almas puras abrigavam-se no seio imenso de Deus.





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