Vimos que as espécies em qualquer período não são indefinidamente variáveis e que não estão ligadas entre si por uma multidão de gradações intermédias, em parte porque o processo de selecção natural será sempre muito lento, e agirá apenas, num dado momento, sobre pouquíssimas formas; e em parte porque o próprio processo de selecção natural praticamente implica a suplantação e extinção contínuas das gradações precedentes e intermédias. Espécies muito próximas que hoje vivem numa área contínua devem frequentemente ter-se formado quando a área não era contínua, e quando as condições de vida não se modificavam gradual e imperceptivelmente de uma parte para outra. Quando duas variedades se formam em duas zonas de uma área contínua, formar-se-á frequentemente uma variedade intermédia, ajustada para uma zona intermédia; mas, pelas razões assinaladas, a variedade intermédia existirá normalmente em menor número do que as duas formas que conecta; consequentemente, as duas últimas, no decorrer de modificação posterior, por existirem em grande número, terão uma grande vantagem sobre a menos numerosa variedade intermédia e assim conseguirão em geral suplantá-la e exterminá-la.
Vimos neste capítulo quão prudentes deveríamos ser ao concluir que os hábitos de vida mais diferentes não podem transitar gradativamente de uns para os outros; que um morcego, por exemplo, não se podia ter formado por selecção natural a partir de um animal que a princípio só conseguia planar.
Vimos que uma espécie pode sob novas condições de vida mudar os seus hábitos, ou ter hábitos diversificados, com alguns hábitos muito dissemelhantes aos dos seus congéneres mais próximos. Portanto, podemos compreender, tendo em mente que cada ser orgânico procura viver onde quer que possa, como veio a haver gansos das terras altas com pés membranosos, pica-paus terrestres, tordos que mergulham e petréis com os hábitos de tordas-mergulheiras.
