LXINeste momento faz-se mister evocar uma memória cem vezes mais dolorosa aos alemães. Os alemães impediram a Europa de colher os últimos grandes frutos de cultura — a Renascença. Compreende-se finalmente, será que por fim compreende-se o que era a Renascença? A transmutação dos valores cristãos — uma tentativa com todos os meios, todos os instintos e todos os recursos do gênio para fazer triunfarem os valores opostos, os valores mais nobres... Até ao presente essa foi a única grande guerra; nunca houve uma questão mais crítica que a da Renascença — que é minha questão também —; nunca houve uma forma de ataque mais fundamental, mais direta, mais violentamente desferida por toda uma frente contra o centro do inimigo! Atacar no lugar decisivo, no próprio assento do cristianismo, e lá entronar os valores nobres — isto é, introduzi-los nos instintos, nas necessidades e desejos mais fundamentais dos que ocupavam o poder... Vejo diante de mim a possibilidade de um encantamento supraterreno: — parece-me que cintila com todas vibrações de uma beleza sutil e refinada, dentro da qual há uma arte tão divina, tão diabolicamente divina, que em vão se procuraria através dos milênios por semelhante possibilidade; vejo um espetáculo tão rico em significância e ao mesmo tempo tão maravilhosamente paradoxal que daria a todas as divindades do Olimpo o ensejo de irromper numa imortal gargalhada — César Bórgia como Papa!... Compreendem-me?... Pois bem, essa teria o sido a espécie de vitória que hoje somente eu desejo —: com ela o cristianismo teria sido abolido! — Que sucedeu? Um monge alemão, Lutero, chegou a Roma.