L— Não posso, aqui, prescindir de uma psicologia da “fé”, do “crente”, em proveito, como é justo, dos próprios “crentes”. Se hoje há alguns que ainda não sabem quão indecente é ser “crente” — ou quanto isso indica decadência, falta de vontade de viver —, amanhã eles o saberão. Minha voz alcança até os surdos. — Parece-me que entre cristãos, se não compreendi mal, prevalece uma espécie de critério da verdade chamado “prova de força”. A fé beatifica: logo, é verdadeira”. — Poder-se-ia objetar que a beatitude não é demonstrada, mas apenas prometida: sustenta-se na “fé” enquanto condição — será beatificado porque crê... Mas e aquilo que o padre promete ao crente, aquele “além” transcendental — como isso pode ser demonstrado? — A “prova de força”, no fundo, não passa da crença de que os efeitos prometidos pela fé se realizarão. — Numa fórmula: “Creio que a fé beatifica — logo, ela é verdadeira”... Mas não podemos ir além disso. Esse “logo” já é o próprio absurdum transformado em critério da verdade. — Contudo, por cortesia, admitamos que a beatificação através da fé tenha sido demonstrada (— não meramente desejada, não meramente prometida pela suspeita boca de um padre): mesmo assim, poderia a beatitude — dito em forma técnica, o prazer — ser uma prova da verdade? Dista tanto de sê-lo que a influência das sensações de prazer sobre a resposta à questão “Que é a verdade?” praticamente constitui uma objeção à verdade, ou, em todo caso, é suficiente para torná-la altamente suspeita.