XXIIIO Budismo, eu repito, é uma centena de vezes mais austero, mais honesto, mais objetivo. Não precisa mais justificar suas aflições, sua suscetibilidade ao sofrimento, interpretando essas coisas em termos de pecado — simplesmente diz o que simplesmente pensa: “eu sofro”. Para o bárbaro, entretanto, o sofrimento em si é pouco compreensível: o que necessita é, em primeiro lugar, uma explicação sobre o porquê de seu sofrimento (o seu instinto leva-o a negar completamente seu sofrimento, ou a suportá-lo em silêncio). Aqui a palavra “Diabo” era uma bênção: o homem devia possuir um inimigo onipotente e terrível — não havia motivos para envergonhar-se por sofrer nas mãos de tal inimigo.
— No seu íntimo o cristianismo possui várias sutilezas que pertencem ao Oriente. Em primeiro lugar, sabe que é de pouca relevância se uma coisa é verdadeira ou não, desde que se acredite que é verdadeira. Verdade e fé: aqui temos dois mundos de ideias inteiramente distintas, praticamente dois mundos diametralmente opostos — os seus caminhos distam milhas um do outro. Entender esse fato a fundo — isso é quase o suficiente, no Oriente, para fazer de alguém um sábio. Os brâmanes sabiam disso, Platão sabia disso, todo estudante de esoterismo sabe disso. Quando, por exemplo, um homem sente qualquer prazer através da ideia de que foi redimido do pecado, não é necessário que seja realmente pecador, mas que simplesmente sinta-se pecador. Mas quando a fé é exaltada acima de tudo, disso segue-se necessariamente o descrédito à razão, ao conhecimento e à investigação meticulosa: o caminho que leva à verdade torna-se proibido.