XLIIIQuando centro de gravidade da vida é colocado, não nela mesma, mas no “além” — no nada —, então se retirou da vida o seu centro de gravidade. A grande mentira da imortalidade pessoal destrói toda razão, todo instinto natural — tudo que há nos instintos que seja benéfico, vivificante, que assegure o futuro, agora é causa de desconfiança. Viver de modo que a vida não tenha sentido: agora esse é o “sentido” da vida... Para que o espírito público? Para que se orgulhar pela origem e antepassados? Para que cooperar, confiar, preocupar-se com o bem-estar geral e servir a ele?... Outras tantas “tentações”, outros tantos desvios do “bom caminho”. — “Somente uma coisa é necessária”... Que todo homem, por possuir uma “alma imortal”, tenha tanto valor quanto qualquer outro homem; que na totalidade dos seres a “salvação” de todo indivíduo possa reivindicar uma importância eterna; que beatos insignificantes e desequilibrados possam imaginar que as leis da natureza são constantemente transgredidas em seu favor — não há como expressar desprezo suficiente por tamanha intensificação de toda espécie de egoísmos ad infinitum, até a insolência. E, contudo, o cristianismo deve o seu triunfo precisamente a essa deplorável bajulação de vaidade pessoal — foi assim que seduziu ao seu lado todos os malogrados, os insatisfeitos, os vencidos, todo o refugo e vômito da humanidade. A “salvação da alma” — em outras palavras: “o mundo gira ao meu redor”...