LVI — Em última análise, chega-se a isto: qual a finalidade da mentira? O fato de que, no cristianismo, os fins “sagrados” não são visíveis é minha objeção aos seus meios. Só existem maus fins: o envenenamento, a calúnia, a negação da vida, o desprezo pelo corpo, a degradação e envilecimento do homem através do conceito de pecado — logo, seus meios também são maus. — Tenho o sentimento oposto quando leio o código de Manu, uma obra incomparavelmente mais intelectual e superior; seria um pecado contra a inteligência simplesmente nomeá-lo juntamente com a Bíblia. É fácil ver o porquê: há uma filosofia genuína por detrás dele, nele próprio, e não apenas uma mixórdia fétida de rabinismo judaico e superstição — oferece, mesmo aos psicólogos mais delicados, algo saboroso. E não nos esqueçamos do mais importante, ele difere fundamentalmente de toda espécie de Bíblia: através dele os nobres, os filósofos e guerreiros preservam o domínio sobre a maioria; está cheio de valores nobres, denota um sentimento de perfeição, de aceitação da vida, um ar triunfante em relação a si e à vida — o sol brilha sobre o livro todo. — Todas as coisas sobre as quais o cristianismo descarrega sua inexaurível vulgaridade — por exemplo, a procriação, as mulheres e o casamento — nele são tratadas seriamente, com respeito, amor e confiança. Como alguém pode colocar nas mãos de crianças e mulheres um livro contentor de palavras tão abjetas: “Para evitar a impudicícia, que cada homem tenha sua própria esposa e que cada mulher tenha seu próprio marido; ...pois é melhor casar-se que queimar-se”?