1984 - Cap. 8: Capítulo VIII Pág. 102 / 309

Era sempre difícil determinar a idade de um prédio londrino. Tudo quanto fosse grande e imponente, e de aparência relativamente nova, era automaticamente declarado pós-revolucionário, enquanto que tudo mais, evidentemente antigo, era atribuído a um período obscuro denominado Idade Média. Afirmava-se que séculos e séculos de capitalismo não haviam produzido nada de valor. Da arquitetura não se podia aprender mais história do que dos livros. Ruas, pedras comemorativas, estátuas, nomes de ruas - tudo quanto pudesse lançar luz sobre o passado fora sistematicamente alterado.

- Nunca soube que foi uma igreja.

- Ainda há uma porção delas em pé - disse o velho - embora as utilizem para outros fins. Como era mesmo a cantiga? Ah, já sei: "Laranjas e limões, dizem os sinos de S. Clemente, Me deves três vinténs, dizem os sinos de S. Martinho" É o que lembro. O vintém era uma moedinha de cobre, meio parecida com um centavo.

- E S. Martinho, onde ficava?

- S. Martinho? Ainda está no lugar. Fica na praça da Vitória, ao lado da pinacoteca. Um edifício com fachada triangular, colunata, e grande escadaria.

Winston conhecia bem o prédio. Era um museu destinado a diversas exposições de propaganda - miniaturas de bombas-foguetes e Fortalezas Flutuantes, modelos de cera representando atrocidades do inimigo e assim por diante.

- Chamava-se S. Martinho dos Campos - acrescentou o velho - mas não me lembro de nenhum campo naquelas paragens.

Winston não comprou a gravura. Teria sido uma propriedade ainda mais incongruente do que o peso de papéis, e impossível de levar para casa, a não ser que a tirasse da moldura. Mas deixou-se ficar alguns minutos com o velho, cujo nome, descobriu, não era Weeks - como se poderia concluir do letreiro na fachada - mas Charrington.





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