Era pouco provável que ainda existisse na Oceania algum livro impresso antes de 1960. O velho, ainda empunhando a lâmpada, estava parado na frente de um quadro emoldurado em pau-rosa, preso à parede diante da lareira.
- Se o senhor estiver interessado em gravuras antigas... - começou, delicadamente. Winston atravessou o quarto para examinar o quadro. Era uma gravura em aço de um edifício oval, de janelas retangulares, e uma pequena torre na frente. Havia uma grade de ferro em torno do prédio, e atrás algo semelhante a uma estátua. Winston fitou-o alguns momentos. Parecia-lhe vagamente familiar, embora não se lembrasse da estátua.
- A moldura está fixa na parede - explicou o velho. - Se quiser, posso desaparafusá-la.
- Conheço esse prédio - anunciou Winston por fim. - Está em ruinas, agora. Fica no meio da rua do Palácio da Justiça.
- É isso, perto do Fórum. Foi bombardeado em... há muitos anos. Era uma igreja, antigamente. Chamava-se S. Clemente dos Dinamarqueses. - Sorriu, com ar de desculpa, como quem dissesse algo ligeiramente ridículo e acrescentou: - Laranjas e limões, dizem os sinos de S. Clemente!
- Como é?
- Ah... Laranjas e limões, dizem os sinos de S. Clemente. Uma modinha que havia quando eu era menino. Não me lembro como é que continuava, mas sei que acabava assim: Aí vem uma luz para te levar para a cama, Aí vem um machado para te cortar a cabeça. Era uma espécie de dança. Faziam um corredor de mãos dadas e braços erguidos e a gente passava por baixo. Quando chegava em "para te cortar a cabeça," desciam os braços e prendiam a pessoa. Era tudo com o nome das igrejas. Todas as igrejas de Londres - isto é, as principais.
Winston indagou vagamente de si mesmo a que século pertenceria a igreja.