Winston viu que ele trazia uma bandeja com um frasco de cristal e copos.
- Martin é dos nossos - disse O'Brien, impassível. - Traz a bebida aqui, Martin. Põe a bandeja na mesa redonda. Temos cadeiras suficientes? Então sentemos e conversemos comodamente. Traz uma cadeira para ti, Martin. Falamos de negócios. Podes deixar de ser criado durante dez minutos.
O homenzinho sentou-se, completamente à vontade, e no entanto ainda com ar de servo, o ar de um criado de quarto que goza de um privilégio. Winston considerou-o de soslaio. Ocorreu-lhe que a vida toda do homem era desempenhar um papel, e que achava perigoso abandonar, por um momento que fosse, sua falsa personalidade. O'Brien tomou a garrafa de cristal pelo pescoço e encheu os copos com um líquido vermelho escuro. Provocou em Winston vagas memórias de algo que vira havia muito tempo numa parede ou num tapume - uma vasta garrafa -composta de luzes que pareciam borbulhar e despejar o conteúdo num copo. Visto de cima, o líquido parecia quase negro, mas no frasco brilhava como um rubi. Tinha um cheiro agridoce. Viu Júlia apanhar o copo e cheirá-lo com cândida curiosidade.
- Chama-se vinho - informou O'Brien, com a sombra dum sorriso. - Sem dúvida leste a respeito do vinho, nos livros. Mas não são muitos do Partido Externo que o conhecem. - O rosto solenizou-se de novo, e ele ergueu o copo: - Creio que devemos beber um brinde. À saúde do nosso chefe, Emmanuel Goldstein.
Winston agarrou o copo com certa ânsia. Vinho era algo com que sonhara e sobre o qual lera. Como o peso de papel ou as cantigas semi-esquecidas do Sr. Charrington, pertencia ao passado, desaparecido e romântico, o tempo de dantes, como gostava de chamá-lo secretamente, nos seus pensamentos.