Quando fordes por fim presos, confessareis. É inevitável. Mas tereis pouquíssimo para confessar, além de vossas próprias ações. Não conseguireis trair senão um punhado de gente sem importância. Provavelmente não traireis nem a mim. A essa altura, já estarei morto, ou terei me transformado em pessoa diferente, com cara diferente.
Continuou a caminhar de um lado para outro sobre o tapete macio. Apesar do volume do seu corpo, havia uma graça notável nos seus movimentos. Destacava-se até no gesto que metia a mão no bolso, ou manipulava um cigarro. Mais do que de força, dava a impressão de confiança e de compreensão, colorida de ironia. Por mais sério que fosse, não tinha nada da parcialidade estreita que distingue o fanático. Quando falava de assassínio, suicídio, moléstias venéreas, membros amputados e rostos alterados, era com um ligeiro ar de zombaria. "Isto é inevitável," parecia dizer o seu tom de voz. "Isto é o que temos de fazer, sem piedade. Mas não é o que faremos quando a vida de novo valer a pena ser vivida." Uma onda de admiração, quase de adoração, fluiu de Winston. Esquecera-se da figura remota de Goldstein. Quando se olhava para os ombros poderosos de O'Brien e sua cara de feições tão maciças, tão feia e no entanto tão civilizada, era impossível acreditar que pudesse ser derrotado. Não havia estratagema que ele não pudesse vencer, nenhum perigo que não pudesse prever. Até Júlia parecia impressionada. Deixara o cigarro apagar e agora escutava atentamente. O'Brien continuou:
- Já ouviste boatos da existência da Fraternidade. Sem dúvida já tens ideia dela. Imaginaste, provavelmente, um vasto mundo clandestino de conspiradores, reunindo-se secretamente, em porões, rabiscando mensagens nas paredes, reconhecendo-se por meio de códigos ou gestos especiais.