Aos trinta e cinco fora a contragosto desligado da Liga da Juventude e antes de entrar para ela conseguira ficar nos Espiões um ano além da idade limite. No Ministério, trabalhava num serviço subordinado, para o que não precisava de inteligência, mas por outro lado era figura de proa no Comité Esportivo e em todos os outros comités empenhados na organização de piqueniques e passeatas comunais, demonstrações espontâneas, campanhas de economia e atividades voluntárias em geral. Informava ao interlocutor, com tranquilo orgulho, soltando baforadas do cachimbo, que comparecera ao Centro Comunal todas as noites, nos últimos quatro anos. Um tremendo cheiro de suor, uma espécie de testemunho inconsciente da dureza de sua vida, seguia-o por toda parte, e permanecia no ambiente mesmo depois dele sair.
- Tens uma chave inglesa? - indagou Winston, apalpando a porca do sifão.
- Chave? - exclamou a Sra. Parson, tornando-se invertebrada outra vez. - Não sei não. Quem sabe as crianças...
Houve um estrondo de botinas e outro guincho no pente, recordando a presença das crianças na sala de estar. A Sra. Parsons trouxe a chave inglesa. Winston soltou a água e com nojo retirou o bolo de cabelo humano que entupira o cano. Lavou os dedos da melhor maneira possível na água fria da pia e voltou para a sala.
- Mãos ao ar! - urrou uma voz selvagem.
Um menino bonito, de uns nove anos e cara de brigão, surgira por trás da mesa e o ameaçava com uma pistola automática de brinquedo, imitado por sua irmãzinha, de sete, e que empunhava um pedaço de madeira. Ambos vestiam calções azuis, camisas cinzentas e o lenço vermelho que compunham o uniforme dos Espiões. Winston levantou as mãos sobre a cabeça, mas com mal-estar, tão viciosa era a atitude do garoto, que não lhe parecia pilhéria.