- És um traidor! - berrou o menino. - És um ideocriminoso! És um espião eurasiano. Eu mato-te, vaporizo-te, mando-te para as minas de sal!
De repente, puseram-se os dois a saltar em torno dele, berrando "traidor!" e "ideocriminoso!", a menininha imitando todos os movimentos do irmão. Era um tanto arrepiante, como um brinquedo de filhotes de tigre, que breve serão devoradores de homens. Havia nos olhos do menino uma espécie de ferocidade calculadora, um desejo bastante evidente de esmurrar ou dar um pontapé em Winston, e a consciência de ter quase o tamanho necessário para a agressão. Ainda bem que não brandia uma pistola de verdade, pensou Winston.
Os olhos da vizinha saltaram nervosamente de Winston às crianças, e vice-versa. Sob a luz mais forte da sala de estar ele notou com interesse que de fato havia pó nas rugas do seu rosto.
- Ficam tão barulhentos, - disse ela. - Estão desapontados porque não puderam assistir ao enforcamento, é isso. Não tenho tempo para levá-los, e Tom não voltará do serviço a tempo.
- Porque não podemos ir ver o enforcamento? - indagou o menino, num vozeirão.
- Quero vê o forcamento! Quero vê o forcamento! - cantarolou a garota, saltitando pelo cômodo.
Deviam ser enforcados aquela noite, no Parque, uns prisioneiros eurasianos, criminosos de guerra. Isso acontecia uma vez por mês e era um grande espetáculo popular. As crianças sempre exigiam que as levassem. Winston despediu-se da Sra. Parsons e encaminhou-se para a porta. Mas ainda não dera seis passos pelo corredor quando um projétil o acertou na nuca, numa pancada muito dolorosa. Foi como se um arame em brasa o tivesse atingido. Girou nos calcanhares a tempo de ver a Sra.