Também fazia vários dias que não se barbeava. Uma barba rala cobria-lhe as faces, dando-lhe um ar de rufião que destoava do corpanzil balofo e dos seus movimentos nervosos.
Winston sacudiu um pouco da sua letargia. Devia falar com Ampleforth, e arriscar-se a um grito da teletela. Era até concebível que Ampleforth lhe trouxesse a lâmina.
- Ampleforth - chamou.
Não houve berro da teletela. Ampleforth parou, um tanto assustado. Lentamente, focalizou os olhos em Winston.
- Ah, Smith! Tu também?
- Por que te prenderam?
- Para te dizer a verdade... - sentou-se desajeitado no banco diante de Winston. - Só há um delito, não é?
- E cometeste esse delito?
- Aparentemente.
Levou a mão à testa e apertou as têmporas por um momento, como se tentasse recordar de algo.
- Essas coisas acontecem, - começou, vagamente. - Consegui recordar um caso... um caso possível. Foi uma indiscrição, sem dúvida. Estávamos produzindo uma edição definitiva dos poemas de Kipling. Deixei que a palavra "Deus" ficasse no fim de um verso. Não pude evitá-lo! - acrescentou, quase indignado, levantando o olhar para Winston. -Era impossível modificar o verso. A rima era "seus." Durante dias e dias quebrei a cabeça. Não havia outra rima possível.
Modificou-se a expressão de seu rosto. Sumira-se o desgosto, e por um momento ele pareceu quase satisfeito. Uma espécie de calor intelectual, a alegria do pedante que descobriu um fato inútil, brilhava por entre os pelos sujos e crescidos.
- Já te ocorreu que toda a história da poesia inglesa foi determinada pelo fato de escassearem as rimas?
Não, aquilo jamais ocorrera a Winston. E, na circunstância em que se encontrava, não lhe pareceu muito importante nem interessante.