Parsons arrastando o filho para a sala de estar, enquanto o menino metia no bolso um estilingue.
- Goldstein! - estertorou o menino quando a porta se fechou. O que mais impressionou Winston, contudo, foi o olhar de terror inerme da mulherzinha de cara gris. De volta ao apartamento, passou rápido diante da teletela e tornou a sentar-se à mesa, ainda esfregando o pescoço. Cessara a música. Substituíra-a uma voz militar, que em tom stacccato lia, com gozo brutal, uma descrição dos armamentos da nova Fortaleza Flutuante que acabava de ser ancorada entre a Islândia e as Ilhas Faroé.
Com aquelas horrendas crianças, pensou, essa pobre mulher deve levar uma vida de terror. Dali a um ano, ou dois, começarão a observá-la dia e noite, à cata de sintomas de heterodoxia. Quase todas as crianças eram horríveis. O pior de tudo é que, com auxílio de organizações tais como os Espiões, eram sistematicamente transformadas em pequenos selvagens incontroláveis, e no entanto nelas não se produzia qualquer tendência de se rebelar contra a disciplina do Partido. Ao contrário, adoravam o Partido, e tudo quanto tinha ligação com ele. As canções, as procissões, as bandeiras, as caminhadas. a ordem unida com fuzis de madeira, berrar palavras de ordem, adorar o Grande Irmão - era para elas uma espécie de jogo formidável. Toda sua ferocidade era posta para fora, dirigida contra os inimigos do Estado, contra os forasteiros, traidores, sabotadores, ideocriminosos. Era quase normal que as pessoas de mais de trinta tivessem medo aos próprios filhos. E com fartos motivos, pois rara era a semana em que o Times não publicasse um tópico contando Como um pequeno salafrário - "herói infantil" era a expressão usada - ouvira alguma observação comprometedora e denunciara os pais à Polícia do Pensamento.