Tentava contá-los, mas não se lembrava porquê. Só sabia ser impossível contá-los, e que isto se devia à misteriosa identidade entre o quatro e o cinco. A dor diminuiu de novo. Quando abriu os olhos foi verificar que ainda via o mesmo. Inúmeros dedos, como árvores movediças, corriam em todas as direções, cruzando e recruzando seu campo de visão. Tornou a fechar os olhos.
- Quantos dedos estou mostrando, Winston?
- Não sei. Não sei. Matas-me, se me deres dor outra vez. Cinco, quatro, seis... sinceramente, não sei.
- Está melhor.
Uma agulha penetrou o braço de Winston. Quase no mesmo instante, um delicioso calor balsâmico se espalhou por todo o seu corpo. A dor já estava meio-esquecida. Abriu os olhos e fitou O'Brien com gratidão. O coração pareceu virar, à vista daquele rosto grande e enrugado, tão feio e tão inteligente. Se pudesse mexer-se, teria esticado a mão e segurado o braço de O'Brien. Nunca o estimara tão profundamente como naquele momento, e não apenas por ter parado a dor. Voltara a velha sensação, de que no fundo não tinha importância que O'Brien fosse amigo ou inimigo. Era uma pessoa com quem se podia conversar. Talvez não quisesse ser tão estimado quanto compreendido. O'Brien o torturara, levara-o à beira da loucura e, dentro em breve, certamente o mandaria à morte. Não fazia diferença. Num sentido qualquer, que ia mais fundo que a amizade, eram íntimos; nalguma parte, embora as palavras jamais fossem ditas, havia um lugar onde poderiam encontrar-se e falar. O'Brien fitava-o com uma expressão que levava a suspeitar que pensasse o mesmo. Quando falou, foi num tom fácil, de palestra.
-Sabes onde estás, Winston?
- Não sei. Mas adivinho. No Ministério do Amor.