- Sabes há quanto tempo estás aqui?
- Não sei. Dias, semanas, meses... creio que há meses.
- E por que imaginas que trazemos gente aqui?
- Para confessarem.
- Não, a razão não é essa. Tenta outra.
- Para punir.
- Não! - exclamou O'Brien, cuja voz mudara extraordinariamente. Sua face se tornara ao mesmo tempo severa e animada. - Não! Não apenas para te extrair uma confissão, nem para te punir. Queres que diga porque foste trazido aqui? Para te curar! Para te salvar da loucura! Compreenderás, Winston, que ninguém, dos que trazemos a este lugar, sai de nossas mãos sem estar curado? Não estamos interessados nos estúpidos crimes que cometeste. O Partido não se interessa pelo ato físico; é com os pensamentos que nos preocupamos. Não apenas destruímos nossos inimigos; nós os modificamos. Compreendes o que quero dizer?
Estava inclinado sobre Winston. Seu rosto parecia enorme por causa da proximidade, e horrivelmente feio por ser visto de baixo. Além disso, estava cheio de uma espécie de exaltação, de lunática intensidade. O coração de Winston tornou a apequenar-se no peito. Se fosse possível, ele se enterraria mais na cama. Tinha a certeza de que o outro estava a ponto de acionar a alavanca, por pura perversidade. Nesse momento, porém, O'Brien se voltou. Pôs-se a passear de um lado para outro. Depois continuou, com menos veemência:
- A primeira coisa que deves entender é que neste lugar não há martírios. Leste a história das perseguições religiosas na Idade Média, quando havia a inquisição. Foi um fracasso. Tinha por intuito erradicar a heresia, e por fim só conseguiu perpetuá-la. Para cada herege queimado na fogueira, surgiram milhares de outros. Porquê? Porque a inquisição matava os inimigos abertamente, e os matava quando ainda não se haviam arrependido; com efeito, matava-os porque não se arrependiam.