Os homens morriam por se recusarem a abandonar as suas verdadeiras crenças. Naturalmente, toda a glória pertencia à vítima e a vergonha ao Inquisidor que a queimava. Mais tarde, no século vinte, houve os chamados totalitários. Os alemães nazis, e os comunistas russos. Os russos perseguiram a heresia mais cruelmente que a inquisição. Imaginavam ter aprendido com os erros do passado; sabiam, ao menos, que era preciso não fazer mártires. Antes de exporem as suas vítimas ao julgamento público, procuravam destruir-lhes deliberadamente a dignidade. Abatiam-nos pela tortura e pela solidão, até se transformarem em desprezíveis réprobos, confessando o que lhes fosse posto na boca, cobrindo-se de infâmia, acusando-se e abrigando-se atrás dos outros, choramingando misericórdia. E no entanto, apenas alguns anos mais tarde, a mesma coisa acontecia de novo. Os mortos se haviam transformado em mártires, e fora esquecida sua degradação. Mais uma vez, porquê? Em primeiro lugar, porque as confissões que haviam feito eram obviamente extorquidas e falsas. Nós não cometemos erros desse gênero. Todas as confissões feitas aqui são verdadeiras. Nós as tornamos verdadeiras. E, acima de tudo, não permitimos que os mortos se levantem contra nós. Deves deixar de pensar que a posteridade te vindicará, Winston. A posteridade jamais ouvirá falar de ti. Serás totalmente eliminado da história. Havemos de te transformar em gás e te soltar na estratosfera. Nada restará de ti: nem um nome num registro, nenhuma lembrança na mente. Serás aniquilado no passado e no futuro. Não terás existido nunca.
“Então por que se dar ao trabalho de me torturar?” pensou Winston, num momento de amargura. O'Brien deteve-se em meio a um passo, como se Winston tivesse pensado alto.