Não era possível dizer quando aconteceria, mas uns segundos antes seria possível adivinhá-lo. Era sempre por trás, andando pelo corredor. Dez segundos bastariam. E então, de repente, sem que se pronunciasse uma palavra, sem uma interrupção no passo, sem que se alterasse uma linha do rosto - a camuflagem cairia de repente e bum! ribombariam as baterias do seu ódio.
O ódio o inundaria como uma enorme labareda, a roncar. E quase no mesmo instante bum! viria o tiro, tarde demais, ou cedo demais. Teriam destruído seu cérebro antes de recuperá-lo. O pensamento herético ficaria impune, sem arrependimento, fora do alcance do seu poder. Teriam esburacado a própria perfeição. Morrer a odiá-los, eis a liberdade.
Fechou os olhos. Era mais difícil do que aceitar uma disciplina intelectual. Era questão de se degradar, de se mutilar. Tinha de mergulhar na maior imundície. Que era o mais horrível e nauseante de tudo? Pensou no Grande Irmão. A face enorme (por vê-la constantemente nos cartazes, sempre pensava nela como se tivesse um metro de largura), com o espesso bigode negro e os olhos que o seguiam por toda parte, pareceu penetrar-lhe no cérebro, por si mesma. Quais eram os seus verdadeiros sentimentos em relação ao Grande Irmão?
Houve um ruido de botas ferradas no corredor. A porta de aço abriu-se com estrépito. O'Brien entrou na cela. Atrás dele estavam o oficial de cara de cera e os guardas de uniforme negro.
- Levanta-te. Vem aqui.
Winston postou-se diante dele. O'Brien pousou as mãos nos ombros de Winston e olhou-o de perto.
- Tiveste a ideia de me enganar - disse ele. - Foi uma cretinice. Endireita-te mais. Olha-me no rosto.
Fez uma pausa e continuou, com tom mais sereno:
- Estás a melhorar.