Soube também que ainda estava viva, e precisava de auxílio. Deitou-se de novo e tentou compor-se. Que fizera? Quantos anos mais de servidão acrescentara à sua pena, por aquele momento de fraqueza?
Dali a um momento ouviria o barulho das botas lá fora. Não era Possível que deixassem de punir uma explosão daquelas. Saberiam agora, se já não o soubessem, que estava rompendo o acordo feito. Obedecia ao Partido, mas ainda o odiava. No passado, ocultara a mente herética sob a aparência de conformidade. Agora, recuara mais um passo: na mente recuara, mas tivera esperança de manter inviolado o imo do coração. Sabia estar errado, mas preferia estar errado. Eles compreenderiam isso - O'Brien o compreenderia. Confessara tudo naquele grito tolo.
Teria de começar tudo do início. Poderia levar anos. Passou a mão pelo rosto, procurando se familiarizar com a nova fisionomia. Havia sulcos profundos nas faces, os zigomas eram salientes, o nariz se achatara. Além disso, depois de se olhar no espelho, lhe haviam dado dentaduras novas. Não era fácil preservar a inescrutabilidade se nem sabia que feições tinha. De qualquer modo, não bastava o mero controlo fisionômico. Pela primeira vez viu que para guardar segredo é preciso escondê-lo também da própria consciência. Deve-se saber todo o tempo que o segredo está ali mas, até o momento de usá-lo, é preciso não permitir que venha a furo sob nenhuma forma a que se possa dar nome. Dali por diante, não devia apenas pensar direito; devia sentir direito, sonhar direito. E todo o tempo devia guardar o seu ódio trancado dentro de si, como um corpo estranho que fosse parte dele e no entanto desligado do resto do corpo, como uma espécie de quisto.
Um dia resolveriam matá-lo.