Syme, todavia, adivinhara o que ele quisera dizer.
- Os proles não são seres humanos, - disse ele, descuidado. - Por volta de 2050, ou talvez mais cedo, todo verdadeiro conhecimento da Anticlíngua terá desaparecido. A literatura do passado terá sido destruída, inteirinha. Chaucer, Shakespeare, Milton, Byron - só existirão em versões Novilíngua, não apenas transformados em algo diferente, como transformados em obras contraditórias do que eram. Até a literatura do Partido mudará. Mudarão as palavras de ordem. Como será possível dizer "liberdade é escravidão se for abolido o conceito de liberdade? Todo o mecanismo do pensamento será diferente. Com efeito, não haverá pensamento, como hoje o entendemos. Ortodoxia quer dizer não pensar... não precisar pensar. Ortodoxia é inconsciência.
Qualquer dia, refletiu Winston, com convicção profunda e repentina, Syme será vaporizado. É inteligente demais. Vê demasiado claro e fala sem subterfúgios. O Partido não gosta de gente assim. Um dia ele desaparecerá. Parece-me óbvio.
Winston liquidara o pão e queijo. Virou um pouco de lado na cadeira para beber a xícara de café. Na mesa à esquerda o homem da voz estridente continuava falando sem parar, sem dó dos ouvintes. Uma jovem, talvez sua secretária, sentada de costas para Winston, escutava com atenção e parecia ansiosa em concordar com tudo quanto ele dizia, De vez em quando Winston apanhava uma observação como "Eu acho que tens tanta razão, concordo tanto contigo," dita numa voz feminina, juvenil e um tanto tola. Mas a outra voz não parava por um instante sequer, nem mesmo quando a moça falava. Winston conhecia o homem de vista, embora a seu respeito não soubesse senão que ocupava cargo importante no Departamento de Ficção.