Ele suspirou e continuou escrevendo: Entrei com ela pela porta e atravessamos um quintal, chegando à cozinha dum porão. Contra a parede havia uma cama, e sobre a mesa uma lâmpada, muito fraquinha. Ela... rangeu os dentes. Gostaria de cuspir. Ao mesmo tempo que na mulher da cozinha do porão pensou em Katharine, sua esposa. Winston era casado - ou fora casado; com certeza ainda era casado, pois, tanto quanto sabia, a esposa não morrera. Pareceu inalar de novo o odor morno da cozinha do porão, um cheiro misto de percevejos, roupa suja e perfume ordinário, e no entanto atraente, porque nenhuma mulher do Partido usava perfume, nem se podia imaginar que fizesse tal coisa. Só os proles usavam perfume. Para ele, aquele cheiro trazia à mente o ato sexual.
A escapada com aquela mulher fora a primeira, em dois anos ou mais. Andar com prostitutas era proibido, naturalmente, mas era dessas regras que às vezes os militantes tinham coragem de quebrar. Era perigoso, mas não era caso de vida ou morte. Ser apanhado com uma marafona poderia significar cinco anos num acampamento de trabalhos forçados; apenas isso, se não houvesse outra infração. E era fácil, contanto que se evitasse ser surpreendido no ato. Os bairros pobres pululavam de mulheres prontas a se entregarem. Algumas podiam ser compradas até por uma garrafa de gin, que os proles não tinham direito de beber. Tacitamente, o Partido se inclinava até a incentivar a prostituição, para dar saída a instintos que não podiam ser totalmente suprimidos. Mera luxúria não tinha maior importância, contanto que fosse furtiva e sem alegria, e só envolvesse mulheres de uma classe submersa e desprezada. O crime imperdoável era a promiscuidade entre membros do Partido.