Devia ter sido imensamente forte; agora o corpanzil era apenas balofo, mole, caído, banhas sobrando em todas as direções. Parecia ruir diante dos olhos dos circunstantes, como alui uma montanha. Eram quinze horas, hora solitária. Winston já não conseguia lembrar-se do que fora fazer no café àquela hora. Estava quase deserto. Das teletelas se desprendia uma música de latas. Os três estavam sentados no seu canto, sem falar, quase imóveis. Sem que lhe pedissem, o garçon trazia novos copos de gin. Na mesa, ao lado deles havia um tabuleiro de xadrez, com as peças arrumadas, mas o jogo não começara. E então, durante talvez meio minuto, algo sucedeu às teletelas. A música que tocavam mudou,' como também mudou o tom. Ouviu-se... era algo muito difícil de descrever. Uma nota peculiar, partida, um zurro, uma chacota, que Winston, para seu uso pessoal, considerou amarela. E da tela uma voz cantou:
Sob a frondosa castanheira Eu te vendi e tu me vendeste: Lá estão eles, e aqui estamos nós, Sob a frondosa castanheira.
Os homens nem se mexeram. Mas quando Winston tornou a fitar o rosto arruinado de Rutherford, notou que tinha os olhos rasos d’água. E pela primeira vez observou, com uma espécie de arrepio por dentro, sem que no entanto soubesse o que lhe dava arrepios, que tanto Aaronson como Rutherford tinham nariz quebrado.
Pouco depois os três tinham sido presos de novo. Ao que parece, haviam-se metido em novas conspirações no mesmo momento em que tinham ganho a liberdade. No segundo julgamento, confessaram de novo todos os velhos crimes acrescentando uma porção de outros. Foram executados e sua sina registrada nas histórias do Partido, como advertência à posteridade. Cerca de cinco anos depois, em 1973, Winston desenrolava um maço de documentos que acabava de cair do tubo pneumático quando deu com um fragmento de papel que evidentemente fora colocado entre os outros e esquecido.