Ele se quedou por dez minutos, atormentado pelo terror de que algum acidente - um pé de vento que de repente lhe limpasse a mesa - o traísse. Então, sem tornar a descobri-la, jogou a fotografia no buraco da memória, com outros papéis servidos. Dali a um minuto, talvez, não passaria de cinzas.
Isso fora dez, onze anos atrás. Hoje, talvez, tivesse guardado o recorte. Era curioso que o fato de tê-lo entre os dedos lhe parecesse fazer tanta diferença, agora que a fotografia propriamente dita, e o acontecimento que registrava, não passavam de recordações. Seria menos forte o domínio do Partido sobre o passado, indagou ele, porque existira um dia uma prova que deixara de existir?
Mas hoje, supondo, que fosse possível recuperá-la das cinzas, a fotografia talvez não fizesse prova alguma. Na ocasião em que descobrira o caso a Oceania não estava mais em guerra com a Eurásia, e devia ter sido aos agentes da Lestásia que os três haviam traído a pátria. Depois disso tinha havido outras reviravoltas -duas, três, não lembrava quantas. Com toda a certeza as confissões tinham sido escritas e reescritas, a ponto dos fatos e datas originais não terem a mínima importância. O passado não podia apenas ser modificado, podia ser mudado continuamente. O que mais o afligia, com uma sensação de pesadelo, era nunca compreender com clareza por que se iniciara a tremenda impostura. Eram óbvias as vantagens imediatas da falsificação do passado, mas os motivos finais eram misteriosos. Ele tornou a pegar a caneta e escreveu:
Compreendo COMO: não compreendo PORQUE. Indagou de seus botões, como fizera muitas vezes, se não era lunático ele próprio. Talvez um lunático seja apenas uma minoria de um.