Encontrava-se nas favelas de cor parda, que ficavam ao norte e a leste do que fora um dia a estação de São Pancrácio. Subia uma rua calçada a lajes, de casinhas de dois andares, com portas escalavradas que abriam sobre a via pública, e que de certo modo sugeriam buracos de ratos. Entre as pedras da rua havia, aqui e ali, poças de água imunda. Entrando e saindo das casas escuras, e embarafustando, pelos becos estreitos que desembocavam dos dois lados da rua, o povo formigava numa quantidade incrível - moças em plena floração, os lábios grosseiramente pintados; rapazes que perseguiam as moças; mulheres inchadas e desgraciosas que eram imagem do que seriam as moças dali a dez anos, velhos arcados, arrastando os pés; crianças descalças e esfarrapadas que brincavam nas poças d’água e se dispersavam aos gritos furiosos das mães. Talvez a quarta parte das janelas da rua estavam quebradas e remendadas com papelão. A maioria não prestava atenção em Winston; alguns o fitavam com uma espécie de disfarçada curiosidade. Duas mulheres monstruosas, com braços cor de tijolo cruzados sobre o avental, conversavam diante duma porta. Winston percebeu trechos de frase:
- Sim, eu disse prela. Tá muito bom, eu disse. Mas se tu tivesse no meu lugar tu fazia que nem eu fiz. É facil criticá, eu falei, mas não tens os mermo problema que eu. - Ah - fez a outra - é isso mermo. Escritinho.
As vozes estridentes calaram-se de súbito. As mulheres estudaram-no em silêncio hostil, quando ele passou. Mas não era exatamente hostilidade; era mais uma espécie de cautela, um enrijamento momentâneo, como à passagem de um animal raro. O macacão azul não podia ser comum numa rua como aquela. Na verdade, era imprudente ser visto em tais lugares, a não ser que se tivesse uma tarefa específica.