A Origem das Espécies - Cap. 8: CAPÍTULO VII
INSTINTO Pág. 225 / 524

Se supomos que qualquer acção habitual se torna hereditária - e penso que se pode mostrar que isto de facto acontece, por vezes -, então a semelhança entre o que eram originalmente um hábito e um instinto torna-se íntima ao ponto de não os distinguirmos. Se Mozart, em vez de tocar pianoforte aos três anos de idade com uma prática prodigiosamente escassa, tivesse, sem prática absolutamente alguma, executado uma melodia, poder-se-ia afirmar com verdade que o fizera por instinto. Mas seria um erro gravíssimo supor que os instintos foram maioritariamente adquiridos por hábito numa geração e hereditariamente transmitidos a gerações subsequentes. Pode-se mostrar claramente que os instintos mais maravilhosos com que estamos familiarizados, nomeadamente, os da abelha-operária e de muitas formigas, não poderiam de modo algum ter sido adquiridos desta maneira.

Admitir-se-á universalmente que os instintos são tão importantes como a estrutura corporal para o bem-estar de cada espécie, nas suas condições de vida actuais. Sob condições de vida modificadas, é no mínimo possível que ligeiras modificações de instinto possam ser proveitosas para uma espécie; e se se pode mostrar que os instintos de facto variam pouquíssimo, não vejo dificuldade em a selecção preservar e acumular continuamente variações de instinto em qualquer quantidade vantajosa. Creio que foi desta maneira que se originaram todos os instintos mais complexos e maravilhosos. Tal como as modificações da estrutura corporal surgem e são aumentadas pelo uso ou hábitos e diminuídas ou perdidas pelo desuso, tão-pouco duvido de que o mesmo aconteça com os instintos. Mas creio que a importância dos efeitos do hábito é inteiramente subordinada aos efeitos da selecção natural daquilo a que se pode chamar «variações acidentais de instintos» - ou seja, de variações produzidas pelas mesmas causas desconhecidas que produzem ligeiros desvios de estrutura corporal.





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