Sucedeu que, no começo da Primavera, um notário de lngouville, depositário de fundos da viúva Dubuc, embarcou um belo dia com todo o dinheiro do seu cartório. É verdade que Héloise possuía ainda, além da parte de um navio avaliada em seis mil francos, a sua casa da Rue Saint-François; e, no entanto, de toda aquela fortuna com que se tinha feito tanto estardalhaço, nada aparecera em casa, além de alguns móveis e tralhas. Foi preciso tirar o assunto a limpo. A casa de Dieppe estava carcomida de hipotecas até aos próprios alicerces; só Deus sabe o que ela tinha posto nas mãos do notário, e a parte do barco acabou por não exceder
? valor de mil escudos. Havia então mentido, a boa senhora! Exasperado,
? Sr. Bovary pai, despedaçando uma cadeira contra o pavimento, acusou a mulher de ter feito a desgraça do filho atrelando-o a uma pileca daquelas, cujo arreio não lhe valia a pele. Vieram a Tostes. Deram-se explicações. Houve cenas. Héloise, banhada em lágrimas, atirou-se nos braços do marido, suplicando-lhe que a defendesse dos pais. Charles quis falar por ela. Eles zangaram-se e foram-se embora.
Mas o golpe estava desferido. Passados oito dias, enquanto estendia a roupa no quintal, veio-lhe um escarro de sangue e no dia seguinte, tendo Charles voltado as costas para fechar as cortinas da janela, ela disse: «Ai, meu Deus!», soltou um suspiro e perdeu a consciência. Estava morta! Foi um espanto!
Após a última cerimónia no cemitério, Charles voltou para casa. Não encontrou ninguém no rés-do-chão; subiu ao primeiro andar, foi ao quarto e viu o vestido dela ainda pendurado ao pé da alcova; e então, apoiando-se na escrivaninha, ali ficou até à noite, perdido em dolorosa meditação.