Madame Bovary - Cap. 2: II Pág. 20 / 382

Ele fazia mal em comer tanto! Por que haveria de se oferecer sempre bebidas a toda agente que aparecia? Que teimosia a dele em não querer usar roupa interior de flanela!

Sucedeu que, no começo da Primavera, um notário de lngouville, depositário de fundos da viúva Dubuc, embarcou um belo dia com todo o dinheiro do seu cartório. É verdade que Héloise possuía ainda, além da parte de um navio avaliada em seis mil francos, a sua casa da Rue Saint-François; e, no entanto, de toda aquela fortuna com que se tinha feito tanto estardalhaço, nada aparecera em casa, além de alguns móveis e tralhas. Foi preciso tirar o assunto a limpo. A casa de Dieppe estava carcomida de hipotecas até aos próprios alicerces; só Deus sabe o que ela tinha posto nas mãos do notário, e a parte do barco acabou por não exceder

? valor de mil escudos. Havia então mentido, a boa senhora! Exasperado,

? Sr. Bovary pai, despedaçando uma cadeira contra o pavimento, acusou a mulher de ter feito a desgraça do filho atrelando-o a uma pileca daquelas, cujo arreio não lhe valia a pele. Vieram a Tostes. Deram-se explicações. Houve cenas. Héloise, banhada em lágrimas, atirou-se nos braços do marido, suplicando-lhe que a defendesse dos pais. Charles quis falar por ela. Eles zangaram-se e foram-se embora.

Mas o golpe estava desferido. Passados oito dias, enquanto estendia a roupa no quintal, veio-lhe um escarro de sangue e no dia seguinte, tendo Charles voltado as costas para fechar as cortinas da janela, ela disse: «Ai, meu Deus!», soltou um suspiro e perdeu a consciência. Estava morta! Foi um espanto!

Após a última cerimónia no cemitério, Charles voltou para casa. Não encontrou ninguém no rés-do-chão; subiu ao primeiro andar, foi ao quarto e viu o vestido dela ainda pendurado ao pé da alcova; e então, apoiando-se na escrivaninha, ali ficou até à noite, perdido em dolorosa meditação.





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