- Por isso mesmo é que eu os obriguei à humilhação de virem aqui; por isso mesmo é que tu hás de lá ser recebida com muitos afagos; por isso mesmo é que eu amontoei ouro para carregar de dinheiro os miseráveis, até eles porem o nariz nas pontas das minhas botas, percebes?
- Percebo, sim... mas a sociedade depois há de rir tanto deles como de nós.
- De nós?! Pareces-me parva! Quem é que se ri de mim? Quem é?
- De ti, ninguém, que és homem, e és temido e respeitado, mas de mim...
- Quem se ri de ti, Clementina? Pois eu consinto que sejas escarnecida? Fazes de mim tão vil conceito?
- Não te aflijas, Leonardo... diz-me o que passaste depois com Bernardo.
- O que passei?... Mandei-o despejar, sob pena de o levar a pontapés fora do adro... E ele foi-se rebolindo, quando não... fazia-o engolir os dentes. Pedaço de mariola!... O filho do Silvestre da Fonte vir falar-me da honradez do bruto do pai e da virtude da maltrapilha da mãe!... Vamos agora à questão mais importante. Falaste a Ricardina?
- Falei.
- De que bordo está?
- Pronta para entrar no convento.
- Boa palavra. Amanhã cedo faço jornada. Poderei demorar-me três dias. O convento há de ser longe e seguro. Enquanto vou e venho, arranja-lhe o enxoval. O que não puder ser, lá se arranjará.
Ao alvejar da manhã seguinte, o abade de Espinho, afastado com Norberto Calvo no afogado de uma carvalheira, terminava desta arte as suas ordens:
- De dia não lhe atires; vigia-lhe somente os passos, e não me largues de olho a Sra. D. Ricardina. Ora agora de noite, aponta-lhe ao peito, e deixa o resto pela minha conta. Percebes?
- Sim, senhor. Vá vossa senhoria descansado, que se eu o lobrigar de noite, fica onde estiver.