1984 - Cap. 4: Capítulo IV Pág. 43 / 309

Sabia que no cubículo ao lado a mulherzinha do cabelo cor de areia labutava dia após dia, não fazendo outra coisa senão procurar e suprimir da imprensa os nomes de pessoas vaporizadas, e portanto consideradas inexistentes. Era justo que tivesse esse emprego, pois seu marido fora vaporizado havia alguns anos. A alguns cubículos adiante, uma criatura terna, ineficiente, sonhadora, um homem chamado Ampleforth, de orelhas muito peludas e surpreendente talento para manejar rimas e metros, empenhava-se na produção de versões modificadas - textos definitivos, chamavam-se - de poemas que se haviam tornado ideologicamente ofensivos mas que, por um motivo ou outro, tinham de ser conservados nas antologias. E aquele corredor, com cerca de cinquenta funcionários, era apenas uma subseção, uma simples célula, podia-se dizer, da enorme complexidade do Departamento de Registro. Para cima, para baixo, para os lados, havia outros enxames de servidores executando uma inimaginável multidão de tarefas. Havia as enormes oficinas gráficas, com os seus sub-redatores, seus peritos em tipografia, e seus estúdios, equipadíssimos para a falsificação de fotografias. Havia a secção de teleprogramas com os seus técnicos, seus produtores, e as equipes de atores escolhidos especialmente pelo talento na imitação de vozes. Havia batalhões de investigadores de referências, cujo trabalho era apenas organizar listas de livros e periódicos a recolher. Havia os vastos depósitos, onde os documentos corrigidos eram guardados, e os fornos ocultos onde os originais eram destruídos. E funcionando anonimamente não se sabia como, nem onde, ficava o cérebro orientador, que coordenava todo o trabalho e fixava diretrizes, mandando conservar este ou aquele fragmento do passado, falsificar outro, e eliminar completamente aquele outro.




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