Madame Bovary - Cap. 3: III Pág. 26 / 382

O Tio Rouault não desgostaria de se ver livre da filha, que pouco o ajudava na casa. Desculpava-a interiormente, achando que ela tinha demasiada inteligência para a agricultura, um trabalho amaldiçoado pelo Céu, visto que com ele nunca ninguém ficara milionário. Longe de enriquecer com aquela ocupação, o velhote perdia dinheiro todos os anos; porque, se fazia bom negócio nos mercados, onde se comprazia com as astúcias da profissão, em contrapartida, na cultura propriamente dita, com a administração interna da propriedade, era a pessoa menos indicada. Não gostava de tirar as mãos dos bolsos e não se furtava a qualquer despesa com o seu próprio bem-estar, querendo ser bem alimentado, bem aquecido e ter boa cama. Gostava da melhor sidra, de comer perna de carneiro mal assada e de farófias bem batidas. Tomava as refeições na cozinha, só, ao pé do lume, numa mesinha portátil que lhe levavam já servida, como no teatro.

Quando, pois, se apercebeu de que Charles corava na frente da filha, o que significava que, mais dia menos dia, ela lhe seria pedida em casamento, ruminou antecipadamente o negócio. Achava-o com cara de zé-ninguém e não lhe parecia o tipo de genro do seu agrado; mas diziam-lhe que tinha bom comportamento, que era poupado, muito instruído, e sem dúvida não iria questionar muito acerca do dote. Ora, como o Tio Rouault iria ser obrigado a vender vinte e dois acres dos seus bens e dado que devia bastante ao pedreiro e ao albardeiro e o eixo do lagar tinha que ser consertado, disse de si para si: «Se ma pedir, dou-lha.»

Pela festa de Saint-Michel, Charles fora passar três dias aos Bertaux.

O último dia esgotara-se como os precedentes, com sucessivas hesitações e adiamentos de quarto em quarto de hora. O Tio Rouault ia acompanhá-lo à saída da propriedade; caminhavam por uma vereda funda e iam despedir-se; era o momento.





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