Madame Bovary - Cap. 12: III Pág. 99 / 382

Preocupava-o, porém, a questão do dinheiro. Tinha gasto tanto nas reparações de Tostes, nos vestidos da mulher e na mudança que todo o dote, mais de três mil escudos, se tinha esgotado em dois anos. Depois, quantas coisas avariadas ou perdidas no transporte de Tostes para Yonville, sem contar o sacerdote de gesso que, caindo da carroça com um solavanco mais forte, se desfez em mil pedaços no pavimento de Quincarnpoix!

Veio distraí-lo uma preocupação mais agradável, ou seja, a gravidez da mulher, À medida que se ia aproximando o termo, ia-lhe ele dedicando maior afecto. Era o estabelecimento de outro laço de carne e uma espécie de sentimento contínuo de uma união mais complexa. Quando lhe via de longe o andar indolente e a cintura rodar molemente sobre as ancas, sem espartilho: quando, a sós com ela, a contemplava à vontade e a via, sentada, tomar atitudes de fadiga na poltrona, então não podia conter mais a sua felicidade; levantava-se, beijava-a, passando-lhe as mãos pelo rosto, chamava-lhe mãezinha, queria fazê-la dançar, e, meio a rir, meio a chorar, acumulava-a de toda a espécie de gracejos carinhosos que lhe vinham à cabeça, Deleitava-se com a ideia de ser pai. Agora nada lhe faltava. Conhecia todas as experiências da existência humana e nela se instalava confortável : serenamente.

Emma começou por se sentir assombrada, depois veio-lhe um grande deesejo de dar à luz para saber o que era ser mãe. Porém, não podendo fazer despesa que queria, ter um berço em forma de barquinha, com cortinado de seda cor-de-rosa e touquinhas bordadas, num acesso de amargura reaunciou ao enxoval e encomendou-o por junto a uma costureira, sem nada escolher nem discutir. Não se entreteve, portanto, com aqueles preparados que estimulam a ternura das mães, e a sua afeição foi talvez, desde princípio, um tanto atenuada.





Os capítulos deste livro