O Ingénuo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 15 / 91

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Enfim a graça operou; o Ingénuo prometeu fazer-se cristão; e não teve a menor dúvida de que deveria começar por ser circuncidado.

- Pois - dizia ele - não vejo no livro que me deram a ler um único personagem que não o tenha sido; é, pois, evidente que devo fazer o sacrifício do meu prepúcio: e quanto mais cedo, melhor.

Não vacilou. Mandou chamar o cirurgião da aldeia e pediu-lhe que lhe fizesse a operação, esperando alegrar infinitamente a senhorita de Kerkabon e a toda a companhia, depois que o fato estivesse consumado. O cirurgião, que nunca fizera a operação referida, avisou a família, que bradou aos céus. A boa Kerkabon temeu que seu sobrinho, que parecia resoluto e expedito, fizesse em si mesmo a operação com desastrada imperícia, e disso resultassem tristes consequências pelas quais as damas sempre se interessam por bondade de coração.

O prior retificou as ideias do hurão; fez-lhe ver que a circuncisão não estava mais em moda, que o batismo era muito mais suave e salutar, que a lei da graça não era como a lei da austeridade. O Ingénuo, que tinha bastante bom-senso e retidão, discutiu, mas afinal reconheceu o seu erro, coisa muito rara na Europa em gente que discute; prometeu enfim submeter-se ao batismo quando bem quisessem.

Antes era preciso confessar-se, e ai estava a maior dificuldade. O Ingénuo, que sempre trazia no bolso o livro que o tio lhe dera, não via ali nenhum apóstolo que se houvesse jamais confessado, e isso o tornava bastante rebelde.





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