Como o Ingénuo desenvolve o seu espírito
A leitura eleva a alma, e um amigo esclarecido a consola. O nosso cativo gozava dessas duas vantagens que antes não havia suspeitado. "Sinto-me tentado - disse ele - a crer nas metamorfoses, pois fui transformado de bruto em homem". Formou uma biblioteca escolhida, com parte de seu dinheiro de que lhe permitiam dispor. O amigo o induziu a deitar por escrito as suas reflexões. Eis o que escreveu sobre a história antiga:
"Imagino que as nações foram por muito tempo como eu: só se instruíram muito tarde e, durante séculos, só se ocuparam do momento presente, muito pouco do passado, e jamais do futuro. Percorri quinhentas ou seiscentas léguas do Canadá, sem encontrar um único monumento; ninguém, por lá, sabe o que fez seu bisavô. Não será esse o estado natural do homem? A espécie que habita este continente parece-me superior à do outro. Há séculos vem ela ampliando o seu espírito, por intermédio das artes e dos conhecimentos. Será porque têm eles barba no queixo e Deus a recusou aos americanos? Não o creio, pois vejo que os chineses quase não têm barba e cultivam as artes há mais de cinco mil anos. E, se possuem quarenta séculos de anais,- é forçoso que a nação já estivesse unida e florescente há cinquenta mil anos.
O que principalmente me impressiona na história antiga da China, é que tudo nela é verossímil e natural. O que mais me admira é que nada tenha de maravilhoso.