O hurão, chamado o Ingénuo, é convertido
O senhor prior, vendo que envelhecia e que Deus lhe enviava um sobrinho para seu consolo, considerou que poderia resignar-lhe o priorado se conseguisse batizá-lo e fazê-lo tomar hábito.
O Ingénuo tinha excelente memória. A firmeza dos órgãos bretão., fortificada pelo clima do Canadá, tornara-lhe a cabeça tão vigorosa que, quando batiam nela, mal o sentia; e, tudo que lhe gravavam dentro, nunca se apagava; jamais esquecera coisa alguma. E tanto mais viva e nítida era a sua concepção, porquanto a sua infância não fora sobrecarregada com as inutilidades e tolices que acabrunham a nossa, de modo que as coisas penetravam num cérebro sem nuvens. O prior resolveu enfim fazê-lo ler o Novo Testamento. O Ingénuo devorou-o com grande prazer, mas, não sabendo em que tempo nem em que local haviam acontecido as aventuras ali referidas, não duvidou que o teatro dos acontecimentos fosse a Baixa Bretanha, e jurou que cortaria o nariz e as orelhas a Caifás e a Pilatos, se algum dia encontrasse esses marotos.
O tio, encantado com essas boas disposições, o esclareceu em pouco tempo; louvou o seu zelo, mas fez-lhe ver que esse zelo era inútil, visto que tais pessoas haviam morrido há cerca de mil seiscentos e noventa anos. Em breve o Ingénuo sabia quase todo o livro de cor. Apresentava algumas vezes objeções que deixavam o prior em grandes dificuldades, obrigando-o a ir consultar o padre de St. Yves, o qual, não sabendo o que responder, mandou chamar um jesuíta bretão para completar a conversão do Ingénuo.