O Ingénuo encarcerado na Bastilha com um jansenista
Gordon era um velhote bem conservado e sereno, que sabia duas grandes coisas: suportar a adversidade e consolar os infelizes. Avançou com fisionomia aberta e compassiva para o seu companheiro, e disse-lhe, abraçando-o:
- Quem quer que sejas tu que vens partilhar do meu túmulo, fica certo de que sempre esquecerei a mim mesmo, para suavizar os teus tormentos no abismo infernal em que estamos mergulhados. Adoremos a Providência que para aqui nos trouxe, soframos em paz e esperemos.
Tais palavras causaram na alma do Ingénuo o efeito das Gotas da Inglaterra, que chamam um moribundo à vida e o fazem entreabrir os olhos espantados.
Após os primeiros cumprimentos, Gordon, sem o apressar a dizer-lhe a causa da sua desgraça, inspirou-lhe, pela brandura de suas palavras e esse interesse que têm um pelo outro dois infelizes, o desejo de abrir o coração e aliviar-se do fardo que o oprimia. Mas o Ingénuo não podia adivinhar o motivo da sua prisão: aquilo lhe parecia um efeito sem causa, e Gordon achava-se tão espantado quanto ele.
- É fora de dúvida - disse o jansenista ao hurão, que Deus deve ter grandes desígnios a teu respeito, pois te conduziu do lago Ontário à Inglaterra e à França, fez-te batizar na Bretanha, encerrando-te depois aqui, para salvação de tua alma.
- Palavra - retrucou o Ingénuo, - creio que foi apenas o diabo que se meteu no meu destino. Meus compatriotas da América jamais me tratariam com esta selvageria; eles não têm a mínima ideia disto.