- Abre a boca. Nove, dez, onze dentes restam. Quantos tinhas quando vieste a nós? E os poucos que te sobram estão a cair. Olha só!
Agarrou um dos incisivos restantes de Winston com o polegar e o indicador. Um arrepio de dor percorreu o maxilar de Winston. O'Brien arrancara-lhe o dente pela raiz. Atirou-o ao chão.
- Estás a apodrecer. Estás a cair aos pedaços. Que és tu? Um saco de lixo. Agora, volta-te e olha-te de novo no espelho. Vês aquela coisa a olhar para ti? É o último homem. Se és humano, a humanidade é aquilo. Agora, torna a vestir-te.
Winston pôs-se a vestir-se com gestos lentos e rígidos. Até ali não havia notado como estava magro e fraco. Só um pensamento lhe agitava a mente: devia ter estado preso mais tempo do que imaginara. De repente, fixando os trapos miseráveis que o vestiam, dominou-o um fundo sentimento de pena do seu corpo arruinado. Sem saber o que fazia, deixou-se cair num mocho que havia junto à cama, e rompeu em pranto. Sabia da sua feiura, da sua falta de graça, do feixe de ossos em imunda roupa de baixo, chorando, sentado sob a luz violenta; mas não era possível parar. O'Brien pousou no seu ombro a mão quase bondosa.
- Não durará sempre. Podes fugir disto quando quiseres. Tudo depende de ti.
- Tu fizeste-o! - soluçou Winston. - Tu me reduziste a este estado.
- Não, Winston. Foste tu mesmo. Foi o que aceitaste quando te voltaste contra o Partido. Continha-se tudo no primeiro ato. Não aconteceu nada que não previsses.
Calou-se por um instante. Depois continuou:
- Nós batemos-te, Winston. Nós vencemos-te a resistência. Viste que aspeto tem teu corpo. Tua mente está no mesmo estado. Não creio que possa restar muito orgulho em ti.