Madame Bovary - Cap. 2: II Pág. 15 / 382

Era um homenzinho baixo e forte, de cinquenta anos, de tez branca e olhos azuis, calvo na frente, e que usava brincos. Tinha ao seu lado, em cima de uma cadeira, uma grande garrafa de aguardente, da qual ia bebendo de vez em quando, para se reanimar; mas, logo que viu o médico, perdeu a coragem e, em vez de praguejar como fizera durante as últimas doze horas, pôs-se a gemer levemente.

A fractura era simples, sem complicações de qualquer espécie. Charles não teria podido desejar nada mais fácil. Recordando-se, então, das atitudes dos seus mestres à cabeceira dos feridos, reconfortou o doente com toda a sorte de boas palavras, carícias cirúrgicas que são como o óleo com que se untam os bisturis. Para arranjar umas talas, foi-se buscar ao telheiro das carroças um punhado de ripas. Charles escolheu uma, partiu-a em pedaços e raspou-a com um caco de vidro, enquanto a criada rasgava um lençol para fazer ligaduras e a Menina Emma tratava de coser os chumaços. Como levasse muito tempo para encontrar a sua caixa de costura, o pai impacientou-se, ela não respondeu; mas, enquanto cosia, picou os dedos, que levou à boca para chupar.

Charles ficou surpreendido pela brancura das suas unhas. Eram brilhantes, finas nas pontas, mais brunidas do que os mármores de Dieppe, e cortadas em forma de amêndoa. A mão, no entanto, não era bonita, talvez por não ser suficientemente pálida e por ser um pouco seca nas falanges; era também comprida de mais e sem suavidade de linhas nos contornos. O que ela tinha de belo eram os olhos; apesar de castanhos, pareciam negros por causa das pestanas; o seu olhar era franco e tinha um arrojo inocente.

Feito o curativo, o próprio Tio Rouault convidou o médico a comer qualquer coisa antes de partir.





Os capítulos deste livro