Madame Bovary - Cap. 19: XI Pág. 199 / 382

E, como nos hospitais, via-se ao lado, em cima duma mesa, uma quantidade de farrapos de linho, de linhas enceradas e muitas ligaduras, uma pirâmide de ligaduras, todas as ligaduras que havia em casa do boticário. Fora Homais quem organizara, desde a manhã, todos estes preparativos, tanto para deslumbrar a multidão, como para se iludir a si próprio. Charles picou a pele; ouviu-se um estalido seco. O tendão estava cortado, a operação terminada. Hippolyte não se refazia da surpresa; inclinava-se sobre as mãos de Bovary para cobri-las de beijos.

- Vamos! Acalma-te - dizia o boticário. - Testemunharás depois o teu reconhecimento ao teu benfeitor!

E desceu a contar o resultado a cinco ou seis curiosos que estacionavam no pátio e imaginavam que Hippolyte ia logo aparecer a andar direito. Depois Charles, tendo afivelado o seu doente ao aparelho mecânico, voltou para casa, onde Emma, toda ansiosa, o esperava à porta. Ela saltou-lhe ao pescoço; sentaram-se à mesa; ele comeu muito e quis até, à sobremesa, tomar uma chávena de café, extravagância que se permitia ter apenas ao domingo, quando havia visitas.

O serão foi encantador, cheio de conversa, de sonhos em comum. Falaram da futura fortuna, dos melhoramentos a fazer na casa; ele via alastrar-se a sua fama, avolumar-se o seu bem - estar, tendo sempre o amor da mulher; e ela sentia-se feliz por se refrescar com um sentimento novo, mais são, melhor, por experimentar, enfim, alguma ternura por aquele pobre rapaz que tanto lhe queria. Passou-lhe pela cabeça, durante um momento, a lembrança de Rodolphe, mas voltou os olhos para Charlees; notou até com surpresa que ele não tinha os dentes feios.

Estavam eles na cama quando o Sr. Homais, sem atender à cozinheira, entrou de repente no quarto, segurando na mão uma folha de papel em que acabava de escrever.





Os capítulos deste livro