Entretanto, para saber que tendão cortar a Hippolyte, era necessário primeiro conhecer a espécie de pé boto que ele tinha.
Tinha ele um pé que fazia quase uma linha recta com a perna, o que não impedia que fosse voltado para dentro, de sorte que era um equino combinado comum pouco de varo, ou então um varo ligeiro fortemente acentuado de equinismo. Mas, com aquele pé equino, efectivamente grosso como uma pata de cavalo, de pele rugosa, tendões secos, grandes dedos, em que as unhas negras pareciam os cravos duma ferradura, o estrefópode galopava como um veado de manhã até à noite. Era continuamente visto na praça, a saltitar em volta das carroças, atirando para a frente o seu membro desigual. Parecia até ter mais vigor naquela perna do que na outra. A força de ser exercitada, ela como que tinha contraído qualidades morais de paciência e energia, e, quando lhe davam algum trabalho importante, era sobre essa perna que ele, de preferência, se apoiava.
Ora, visto tratar-se dum equino, era preciso cortar o tendão de Aquiles, ainda que se tivesse de mexer mais tarde no músculo tibial anterior para resolver o problema do varo; porque o médico não ousava fazer ao mesmo tempo as duas operações, e mesmo assim já se sentia tremer de medo, não fosse atingir alguma região importante que não conhecesse.
Nem Ambroise Paré, aplicando pela primeira vez desde Celso, após quinze séculos de intervalo, a laqueação imediata duma artéria; nem Dupuytren, quando estava para abrir um abcesso através duma espessa camada de encéfalo; nem Gensoul, quando fez a primeira ablação do maxilar superior, sentiram provavelmente palpitar tanto o coração, tremer a mão tanto, nem uma tão grande tensão mental como aconteceu ao Dr. Bovary quando se aproximou de Hippolyte com o seu tenótomo entre os dedos.