Madame Bovary - Cap. 20: XII Pág. 212 / 382

Derozerays tinha o hábito de lhe fazer, todos os anos, pelas vésperas de S. Pedro.

A princípio, Emma conseguiu descartar-se de Lheureux; mas, por fim, ele perdeu a paciência: via-se apertado pelos fornecedores, tinha muito capital na mão dos clientes e, se não recebesse algum dinheiro, seria obrigado a levar outra vez todas as mercadorias com que ela lhe ficara.

- Está bem! Leve-as! - disse Emma.

- Oh!, estava a brincar! - replicou ele. - Só há uma coisa de que tenho pena: é do pingalim. Palavra de honra! Acho que vou pedi-lo ao Sr. Doutor.

- Não!, não! - acudiu ela.

«Ah], apanhei-te!», pensou Lheureux.

E, seguro da sua descoberta, saiu repetindo a meia voz e com o seu assobiozinho habitual:

«Pois seja! Veremos! Verernos!»

Ela pensava em como sair daquele apuro, quando a cozinheira entrou, colocando em cima do fogão um pequeno rolo de papel azul, da parte do Sr. Derozerays. Emma foi a correr abri-lo. Continha quinze napoleões. Era a conta. Ouviu Charles subir a escada; atirou o ouro para o fundo da sua gaveta e retirou a chave.

Três dias depois, Lheureux voltou a aparecer.

- Tenho uma proposta a fazer-lhe - disse ele.•- Se, em vez da importância combinada, a senhora quisesse...

- Aqui a tem - disse ela, colocando-lhe na mão catorze napoleões. O mercador ficou estupefacto. Então, para dissimular o malogro, desfez-se em desculpas e em ofertas de serviços, que Emma recusou; depois, ela ficou durante alguns minutos apalpando, no bolso do avental, as duas moedas de cem soldos que ele lhe devolvera. Prometeu a si mesma economizar, a fim de repor mais tarde...

«Oral», pensou ela, «nunca mais pensará nisso.»

Além do pingalim com castão de prata dourada, Rodolphe recebera um sinete com esta divisa: Amor nel cor; recebeu ainda um lenço para agasalhar o pescoço e, finalmente, uma caixa para charutos igualzinha à do Visconde, que Charles em tempos achara na estrada e que Emma conservava consigo.





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