Madame Bovary - Cap. 30: VII Pág. 333 / 382

Ter-se-ia podido, quer nas turfeiras de Grumesnil, quer nos terrenos do Havre, arriscar-se quase pela certa excelentes especulações; e deixou-a devorar-se de raiva com a ideia das fantásticas somas que teria certamente ganho.

- Mas - prosseguiu ele - por que é que não veio ter comigo há mais tempo?

- Nem eu sei - respondeu ela.

- Porquê, hem?... Inspirava-lhe assim tanto receio? Eu, pelo contrário, é que me devia queixar! Mal nos conhecíamos! No entanto, sou-lhe devotadíssimo; espero que já não tenha dúvidas; acredita?

Estendeu-lhe a mão, pegou na dela e cobriu-a com um beijo voraz, conservando-a depois sobre o joelho; e brincava-lhe delicadamente com os dedos, dizendo-lhe ao mesmo tempo mil amabilidades.

A voz dele sussurrava, insípida, como um ribeiro a correr; saltava-lhe das pupilas uma faísca através do brilho dos óculos e as mãos adiantavam-se pela manga de Emma, para lhe apalpar o braço. Ela sentia bater no rosto o hálito duma respiração ofegante. Aquele homem causava-lhe uma horrível repulsa.

Levantou-se de um pulo e disse-lhe:

- Senhor, eu fico à espera!

- De quê? - perguntou o notário, tornando-se de súbito extremamente pálido.

- Desse dinheiro.

- Mas...

Depois, cedendo à irrupção dum desejo demasiado forte:

- Está bem, sim!...

E arrastava-se de joelhos para ela, sem fazer caso do roupão.

- Por bondade, não se vá embora! Eu amo-a!

E agarrou-a pela cintura.

Uma onda de púrpura subiu rapidamente ao rosto da Sr. Bovary, que recuou com um aspecto terrível, exclamando:

- O senhor aproveita-se impunemente da minha aflição! Eu sou para lastimar, mas não para vender!

E saiu.

O tabelião ficou estupefacto, com o olhar fixo nos seus lindos chinelos de estofo. Eram um presente de amor.





Os capítulos deste livro