- Mas - prosseguiu ele - por que é que não veio ter comigo há mais tempo?
- Nem eu sei - respondeu ela.
- Porquê, hem?... Inspirava-lhe assim tanto receio? Eu, pelo contrário, é que me devia queixar! Mal nos conhecíamos! No entanto, sou-lhe devotadíssimo; espero que já não tenha dúvidas; acredita?
Estendeu-lhe a mão, pegou na dela e cobriu-a com um beijo voraz, conservando-a depois sobre o joelho; e brincava-lhe delicadamente com os dedos, dizendo-lhe ao mesmo tempo mil amabilidades.
A voz dele sussurrava, insípida, como um ribeiro a correr; saltava-lhe das pupilas uma faísca através do brilho dos óculos e as mãos adiantavam-se pela manga de Emma, para lhe apalpar o braço. Ela sentia bater no rosto o hálito duma respiração ofegante. Aquele homem causava-lhe uma horrível repulsa.
Levantou-se de um pulo e disse-lhe:
- Senhor, eu fico à espera!
- De quê? - perguntou o notário, tornando-se de súbito extremamente pálido.
- Desse dinheiro.
- Mas...
Depois, cedendo à irrupção dum desejo demasiado forte:
- Está bem, sim!...
E arrastava-se de joelhos para ela, sem fazer caso do roupão.
- Por bondade, não se vá embora! Eu amo-a!
E agarrou-a pela cintura.
Uma onda de púrpura subiu rapidamente ao rosto da Sr. Bovary, que recuou com um aspecto terrível, exclamando:
- O senhor aproveita-se impunemente da minha aflição! Eu sou para lastimar, mas não para vender!
E saiu.
O tabelião ficou estupefacto, com o olhar fixo nos seus lindos chinelos de estofo. Eram um presente de amor.