- Olhe, senhor - disse ela -, eu vinha pedir-lhe...
- O quê, minha senhora? Sou todo ouvidos.
Ela pôs-se a expor-lhe a situação.
O Dr. Guillaumin já a conhecia, por estar secretamente ligado ao mercador de tecidos, em casa de quem encontrava sempre capitais para os empréstimos hipotecários que o encarregavam de contratar.
Portanto ele sabia (e melhor do que ela) a longa história daquelas letras, inicialmente pequenas, endossadas por diversas pessoas, espaçadas a longos prazos de vencimento e continuamente renovadas, até ao dia em que, juntando todos os protestos, o negociante encarregara o seu amigo Vincart de fazer seguir em seu próprio nome o processo necessário, não querendo passar por um tigre entre os seus concidadãos.
Emma entremeou a sua exposição de recriminações contra Lheureux, a que o tabelião respondia de tempos a tempos com uma palavra sem sentido. Comendo a sua costeleta e bebendo chá, enfiava o queixo na gravata azul-celeste, espetada com dois alfinetes de brilhantes unidos por uma cadeiazinha de ouro; e sorria com um sorriso singular, de um modo adocicado e ambíguo. Mas, reparando que ela tinha os pés húmidos:
- Aproxime-se do fogão... mais acima..., contra a porcelana.
Ela tinha receio de a sujar. O notário prosseguiu em tom de galanteio: - Aquilo que é belo não estraga nada.
Então procurou comove-lo e, emocionando-se ela mesma, começou a descrever-lhe a parcimónia da sua casa, as dificuldades em que vivia e as aflições por que estava passando. Isso ele compreendia: Uma senhora elegante! E, sem interromper a refeição, voltara-se de frente para ela, de modo que lhe tocava com o joelho na botina, cuja sola começava a recurvar-se, fumegando, de encontro ao fogão.
Porém, quando ela lhe pediu mil escudos, apertou os lábios e depois declarou-se muito pesaroso por não ter tido oportunidade de lhe administrar, em tempo, os seus haveres, pois existem cem processos muito cómodos, mesmo para uma senhora, de fazer valer o seu dinheiro.