A Libânia de covas muito larachenta - que levasse o diabo paixões, e mais quem com elas medrava; que, em se acabando o dinheiro, fazia-se cruzes na boca; mas que deixar o seu veríssimo, não o deixava nem à quinta facada.
- Nós devíamos ir todos para o brasil - lembrou o Torcato, que tinha meditado num recolhimento extraordinário.
- E chelpa? - perguntou a Libânia.
- Se tu quiseres, veríssimo, dentro de um mês temos um conto de réis.
- Boa!... - disse o outro. - bem se vê que as duas garrafas deram o que podiam dar - uma fantasia de um conto de réis. Por dois tostões é barato.
- Estás disposto a ouvir-me sem interrupção de chalaça? Eu não estou bêbedo, palavra de honra!
Libânia pôs a face entre ais mãos e os cotovelos na toalha suja de vinho e migalhas, com os olhos muito fitos e rutilantes na cara do nunes. O veríssimo atirou com as pernas para cima da banca, acendeu um charuto de dez-réis e disse que falasse à vontade.
- Tu sabes que te pareces muito com D. Miguel?
- Começas bem. Temos asneira.
- Mau! Não me fales à mão.
- Já sei onde queres chegar. Vais dizer-me que me faça aclamar rei, e, para evitar efusão de sangue, venda a minha sobrinha D. Maria II os meus direitos à coroa por um conto de réis. Dou-os mais em conta.
- Adeus minha vida! - retrucou o nunes impaciente. - amanhã conversaremos.
- Deixa falar o homem! - interveio a Libânia. - ora diga lá, é sê nunes.
O Torcato expôs a sua teoria do conto de réis, desfez atritos, removeu dificuldades, convenceu afinal. Tinham de partir para o alto Minho, os dois. Libânia iria para Ramalde trabalhar nos teares da grainha, que lhe dava comida, cama e doze vinténs por dia. Venderiam a um adeleiro da rua chã os trastes para o veríssimo se enroupar de pano piloto, quinzena e calças com alguma decência, roupa branca, reforma das botas cambadas, chapéu de feltro e um paletó de agasalho.