Deve-se lamentar muito que nenhum Dostoievski tenha vivido nas vizinhanças do mais interessante dos
décadents — ou seja, alguém que teria sentido o comovente encanto de tal mistura do sublime, do mórbido e do infantil. Em última análise, o tipo, enquanto tipo da decadência, talvez possa realmente ter sido peculiarmente complexo e contraditório: não se deve excluir essa possibilidade. Contudo, as probabilidades parecem estar em seu desfavor, pois neste caso a tradição teria sido particularmente precisa e objetiva, enquanto temos razões para admitir o contrário. Entretanto, existe uma contradição entre o pacífico pregador das montanhas, dos lagos e dos campos, que parece como um novo Buda em um solo muito pouco indiano, e o fanático agressivo, o inimigo mortal dos teólogos e dos eclesiásticos, que é glorificado pela malícia de Renan como “
le grand maître em ironie” (o grande mestre em ironia). Pessoalmente não tenho qualquer dúvida de que a maior parte desse veneno - e não menos de
esprit (espírito, ironia) - haja penetrado no tipo do Mestre apenas como um resultado da agitada natureza da propaganda cristã: todos conhecemos a inescrupulosidade dos sectários quando decidem fazer de seu líder uma apologia para si mesmos. Quando os primeiros cristãos precisaram de um teólogo hábil, contencioso, pugnaz e maliciosamente sutil para enfrentar outros teólogos, criaram um “Deus” para satisfazer tal necessidade, exatamente como também, sem hesitação, colocaram em sua boca certas ideias que eram necessárias a eles, mas totalmente divergentes dos Evangelhos — “a volta de Cristo”, “o juízo final”, todos os tipos de expectativas e promessas temporais.