Capítulo 45: Capítulo 45
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A vontade subjacente de utilizar somente conceitos, símbolos e atitudes que convém à práxis sacerdotal, o repúdio instintivo a qualquer outra perspetiva e a qualquer outro método para estimar valor e utilidade — isso não é somente uma tradição, é uma herança: apenas como uma herança é capaz de operar com força natural. Toda a humanidade, mesmo as maiores mentes das maiores épocas (com uma exceção que, talvez, mal fosse humana —), deixou-se enganar. O Evangelho foi lido como um livro da inocência... Certamente nenhuma modesta indicação do alto grau de perícia com que o truque foi feito. — É claro, se pudéssemos de fato ver esses carolas e santos falsos, mesmo que apenas por um instante, a farsa seria posta a fim — e precisamente porque não consigo ler suas palavras sem também ver seus gestos que acabei com eles... Simplesmente não consigo suportar a maneira com que levantam os olhos. — Para a maioria, felizmente, livros não passam de literatura. — Que não nos deixemos induzir em erro: eles dizem “não julgueis”, mas condenam ao inferno tudo que fica em seu caminho. Ao deixarem Deus julgar, são eles próprios que julgam; ao glorificarem Deus, glorificam a si mesmos; ao exigirem que todos manifestem as virtudes para as quais são aptos — mais ainda, das quais precisam para permanecer no topo —, assumem o aspeto de homens em uma luta pela virtude, de homens engajados numa guerra para que a virtude prevaleça. “Nós vivemos, morremos, sacrificamo-nos pelo bem” (— “a verdade”, “a luz”, “o reino de Deus”): na realidade, simplesmente fazem o que não podem deixar de fazer.
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