O ombro da moça, e o seu braço direito, até o cotovelo, se comprimiam contra ele. A face estava tão perto que podia quase sentir-lhe o calor. Ela assumira imediatamente o comando da situação, como fizera na cantina. Pôs-se a falar com a mesma voz sem expressão que antes, mal mexendo os lábios, um murmúrio que se perdia em meio ao vozerio e ao estrondo dos camiões.
- Estás-me a ouvir?
- Estou.
- Estás livre domingo à tarde?
- Estou.
- Então escuta com cuidado. Tens de decorar isto. Vai à estação de Paddington...
Com uma precisão militar que o assombrou, a moça delineou o itinerário que deveria seguir. Meia hora de comboio. Sair da estação e encaminhar-se para a esquerda. Dois quilômetros pela estrada. Uma porteira sem travessão superior.
Um caminho atravessando o campo. Uma alameda gramada. Uma picada entre touceiras. Uma árvore morta coberta de musgo. Era como se tivesse um mapa na cabeça.
- Lembras de tudo? - murmurou por fim.
- Lembro.
- Viras à esquerda, depois à direita, depois à esquerda outra vez. A porteira sem travessão de cima.
- Sim. A que horas?
- Às quinze, mais ou menos. Talvez tenhas que esperar. Chegarei por outro caminho. Decoraste tudo?
- Decorei.
- Então dá o fora o mais depressa possível. Não seria preciso dizê-lo.
Mas por um momento não lhes foi possível livrar-se da multidão. Os camiões continuavam a passar, e o povo, insaciável, queria olhar. No começo algumas vaias e assobios tinham soado, de membros do Partido ali presentes, mas não haviam durado muito. A emoção geral era de simples curiosidade. Estrangeiros, fossem da Eurásia ou da Lestásia, eram considerados animais estranhos. Literalmente, não eram vistos nunca a não ser como prisioneiros, e mesmo como prisioneiros não eram vistos senão de relance.