Sem saber por que motivo, sempre acreditara que o vinho tinha sabor intensamente doce, como de geleia de amora, e um efeito inebriante imediato.
Mas quando o engoliu, a bebida lhe causou uma deceção. A verdade era que, depois de beber gin durante anos, mal podia prová-lo. Depôs na mesa o copo vazio.
- Então Goldstein existe?
- Sim, existe, e está vivo. Onde, não sei.
- E a conspiração... a organização? Existe? Não é mera invenção da Polícia do Pensamento?
- Existe, sim. Chama-se a Fraternidade. Nunca saberás muito mais a respeito da Fraternidade, exceto que existe e que pertences a ela. Voltarei ao assunto daqui a pouco. - Olhou o relógio-pulseira. - É imprudente, mesmo para os membros do Partido Interno, desligar a teletela mais de meia-hora. Não devias ter vindo com a moça, e tereis de sair separados. Tu, camarada - e indicou Júlia com a cabeça - sairás antes. Temos uns vinte minutos à nossa disposição. Compreendeis que devo fazer algumas perguntas. Em termos gerais, a que estais dispostos?
- A qualquer coisa de que formos capazes - respondeu Winston. O'Brien voltara-se um pouco na cadeira, de modo que estava de frente a Winston.
Quase não considerava Júlia, parecendo achar que Winston falava por ela. Piscou repetidamente, e começou a fazer as perguntas em voz baixa, sem expressão como se fosse uma rotina, uma espécie de catecismo, cujas respostas já lhe fossem conhecidas.
- Estás disposto a dar a vida?
- Estou.
- Estás disposto a assassinar?
- Estou.
- A cometer atos de sabotagem que poderão causar a morte de centenas de inocentes?
- Sim.
- A trair tua pátria às potências estrangeiras?
- Sim.
- Estás disposto a fraudar, forjar, fazer chantagem, corromper a mente infantil, distribuir entorpecentes, incentivar a prostituição, disseminar doenças venéreas - fazer tudo quanto possa causar a desmoralização e debilitar o poder do Partido?
- Sim.