1984 - Cap. 16: Capítulo XVI Pág. 177 / 309

Sem saber por que motivo, sempre acreditara que o vinho tinha sabor intensamente doce, como de geleia de amora, e um efeito inebriante imediato.

Mas quando o engoliu, a bebida lhe causou uma deceção. A verdade era que, depois de beber gin durante anos, mal podia prová-lo. Depôs na mesa o copo vazio.

- Então Goldstein existe?

- Sim, existe, e está vivo. Onde, não sei.

- E a conspiração... a organização? Existe? Não é mera invenção da Polícia do Pensamento?

- Existe, sim. Chama-se a Fraternidade. Nunca saberás muito mais a respeito da Fraternidade, exceto que existe e que pertences a ela. Voltarei ao assunto daqui a pouco. - Olhou o relógio-pulseira. - É imprudente, mesmo para os membros do Partido Interno, desligar a teletela mais de meia-hora. Não devias ter vindo com a moça, e tereis de sair separados. Tu, camarada - e indicou Júlia com a cabeça - sairás antes. Temos uns vinte minutos à nossa disposição. Compreendeis que devo fazer algumas perguntas. Em termos gerais, a que estais dispostos?

- A qualquer coisa de que formos capazes - respondeu Winston. O'Brien voltara-se um pouco na cadeira, de modo que estava de frente a Winston.

Quase não considerava Júlia, parecendo achar que Winston falava por ela. Piscou repetidamente, e começou a fazer as perguntas em voz baixa, sem expressão como se fosse uma rotina, uma espécie de catecismo, cujas respostas já lhe fossem conhecidas.

- Estás disposto a dar a vida?

- Estou.

- Estás disposto a assassinar?

- Estou.

- A cometer atos de sabotagem que poderão causar a morte de centenas de inocentes?

- Sim.

- A trair tua pátria às potências estrangeiras?

- Sim.

- Estás disposto a fraudar, forjar, fazer chantagem, corromper a mente infantil, distribuir entorpecentes, incentivar a prostituição, disseminar doenças venéreas - fazer tudo quanto possa causar a desmoralização e debilitar o poder do Partido?

- Sim.





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