Atrás disto tudo há um fato que se não menciona jamais em voz alta, mas que é tacitamente compreendido e usado como orientação: ou seja, o de que as condições de vida, nos três super-estados, são mais ou menos as mesmas. Na Oceania, a filosofia dominante é chamada Ingsoc, na Eurásia é chamada Neo-Bolchevismo, e na Lestásia é conhecida por uma palavra chinesa em geral traduzida por Adoração da Morte, mas que se poderia melhor chamar Obliteração do Ego. O cidadão da Oceania não pode saber coisa alguma a respeito dos fundamentos das outras duas filosofias, aprendendo porém a execrá-las como bárbaros ultrajes à moralidade e ao sentido comum. Na verdade, as três filosofias mal se distinguem umas das outras, e os sistemas sociais de que são base não se distinguem de modo algum. Por toda parte há a mesma estrutura piramidal, a mesma adoração de um chefe semi-divino, a mesma economia que existe para a guerra contínua. Segue-se que os três super-estados não só não podem vencer um ao outro, como não levariam vantagem se o fizessem. Ao contrário, enquanto continuarem em conflitos, amparam-se uns aos outros, como três fuzis num sarilho. E, como é praxe, os grupos dominantes das três potências ao mesmo tempo sabem e ignoram o que estão fazendo. Dedicam a vida à conquista do mundo, mas também sabem que é necessário continuar a guerra, sem fim e sem vitória. Entrementes, o fato de não haver perigo de conquista torna possível a negação da realidade que 'é a característica principal do Ingsoc, e dos sistemas rivais de raciocínio. Neste ponto é necessário repetir o que já dissemos: que a guerra, tornando-se contínua, mudou fundamentalmente de caráter.
No passado a guerra era, quase por definição, algo que mais cedo ou mais tarde chegava ao fim, em geral em inconfundível vitória ou derrota.